A gente lê

Aqui contamos para você qual é o livro que a gente anda carregando na mochila. (Porque, acima de tudo, nós do Shereland somos leitores)

A gente lê: Desonra

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Já faz mais de uma semana que terminei Desonra, do sul-africano J.M. Coetzee, mas fiquei postergando esse post por um simples motivo: deve ter sido o melhor livro que li neste ano. E aí fica difícil explicar essa grandiosidade toda. Por isso, vou dividir tudo em itens para facilitar.

A decepção das 30 primeiras páginas

Jamais tinha ouvido falar de Coetzee - vergonha, pois ele tem o Nobel de Literatura de 2003 - até a editora Vanessa Ferrari falar maravilhas sobre ele no curso de Estrutura Narrativa..

Comprei meu exemplar, comecei alegremente a leitura e... detestei. Vejam só:

  •  Um professor universitário de 52 anos. 
  • Ele se acha o maior intelectual de todos os tempos e aproveita esse "plus" para sair paquerando as alunas. 
  • Só que, em uma dessas investidas, acaba obcecado por uma menina uns 30 anos mais jovem. 

Isso te lembra alguma coisa? A mim veio imediatamente o enredo de O Animal Agonizante, de Philip Roth. Não que eu não tenha gostado da obra do americano, mas outra vez? Não dava. 

Até que David Lurie, o protagonista, é acusado pela aluna de assédio sexual

E, com isso, Coetzee me gerou um tilt. Sim, porque até aí eu estava indo na onda do narrador sem perceber que era a versão unilateral de uma história vivida por mais de uma pessoa. Quando a garota o acusou, notei que em nenhum momento ela havia dado mostra de que estava gostando das investidas do professor. Pensando do ponto de vista dela, portanto, sim, ela pode ter sido coagida. 

O que me fez lembrar de Dom Casmurro e de como Machado de Assis fez, por anos e anos, os leitores defenderem fielmente a questionável versão de Bentinho. O que eu quero dizer é que nós jamais podemos esquecer que personagens também mentem.

A partir daí, David Lurie decide fugir para o campo

Ele acaba sendo expulso da faculdade, e vai morar com a filha lésbica que cuida sozinha de uma fazenda no interior da África do Sul. Então o intelectual ativo precisa se acostumar com uma nova rotina na vida no campo. 

Lucy é ativista em prol dos animais e convence o pai a passar seu tempo em uma espécie de ONG que sacrifica bichos terminais.

Tudo vai bem, até que criminosos atacam a casa de Lucy e uma grande tragédia acontece

(Spoiler)

David é trancado no banheiro, enquanto Lucy sofre um estupro triplo numa das cenas mais tensas e bem feitas que já li na vida. O que gera dois conflitos geniais: um de âmbito individual, já que o professor garanhão que pode ter assediado uma menina se depara com a violência contra a própria filha.

E um de âmbito histórico-social, que revela uma África do Sul ainda lutando contra o Apartheid embutido em seus cidadãos. David Lurie e família pertencem a uma elite branca, enquanto o pessoal do campo são negros começando a conquistar territórios até então proibidos. 

Desonrado pela segunda vez, David Lurie quer justiça. Já Lucy se resigna porque sente uma certa "culpa histórica".

Caramba! Estupro, desonra. Manter a honra. Demarcar território. Não é um enredo sublime?

E tudo isso, escrito de maneira super direta

Vanessa Ferrari havia descrito o texto de Coetzee como "enxuto". Concordo. Li este livro pesado com a facilidade de quem devora um best-seller.

Leia sobre outros autores africanos
O Outro Pé da Sereia, de Mia Couto 

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A gente lê: Coração Peludo (extra: lançamento)

Minha leitura da vez: Coração Peludo. Conheci o livro pelo meu vizinho, que é o próprio autor. É um moço MUITO simpático do prédio, com quem conversamos um pouco pela rua ou pelo prédio. Foi então que descobri que ele escreveu um livro (no caso, já era o segundo) e ia fazer o lançamento. Fiquei com muita vontade de ler e conhecer (nunca conheci um escritor antes =P)

Coração Peludo, de Plínio Camillo

Falando um pouco do livro, são diversos contos, mas em ordem cronológica (particularmente, li como se fosse um livro normal). São diversas histórias em que o personagem principal participa, como se estivesse contando um acontecimento passado. Desses que você conta para seus amigos num bar. Esse personagem principal é um sujeito simples do interior, desses que causam bastante problema. E nesses acontecimentos, tem muita coisa engraçada (algumas bem pesadas). Confesso que me peguei rindo alto no metrô pelas besteiras que ele faz. A leitura é rápida e simples.

O significado de coração peludo é "pessoa com ódio no coração". Podem ter diversas dessas pessoas na história, mas pessoalmente não achei isso do personagem principal. Achei-o um sujeito mais simples do que com ódio.

Bom, como sou suspeito em falar. Emprestei o livro para a Gabriela, aqui do Shereland, que não conhece o Plínio Camillo. A opinião dela segue em itálico:

Para mim o que há de mais bacana é a forma como a história é contada. O narrador relembra sua trajetória dos seis aos 52 anos de idade. O papo é reto: são 46 contos, um para cada ano de vida - nada mais do que isso.

E aí a gente vai acompanhando tudo: o ódio de irmão pela irmã, o ressentimento pelo pai, a decisão de entrar para o teatro, a prisão, os amores, as paixões, o enfarto...

Com um jeito de escrever muito próximo àquela oralidade da rua mesmo, cada conto - alguns, para mim, estão mais para poemas - traz expressões, credos e imagens que lembram muito as histórias que nossos pais cismam em repetir. Mas, não se engane. O que eles ocultaram, o Plínio conta.

E para você que se interessou, aproveite que terá o lançamento logo, dia 23/07/2014 na Av. Paulista.

Horário: 19h às 21h30
Local: Casa das Rosas – Avenida. Paulista, 37 – Bela Vista – São Paulo
Custo: R$ 35,00 (trinta e cinco reais; no evento, pagamento somente com dinheiro ou cheque)

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Plínio Camillo 18 de Julho de 2014 às 18:54

Belo blog!! Muito obrigado pelas gentilezas!!

A gente lê: Peixe Peludo

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Meu amigo Daniel está resolvido a me apresentar às HQs e, dessa vez, me emprestou Peixe Peludo dos brasileiros Rafael Moralez e Rodrigo Bueno.

O texto da contracapa chega a falar em "literatura alcoólica". Mas acho que posso simplificar a história: um peixe-homem muito mal-humorado e nada politicamente correto vivendo num aquário-cidade chamado São Paulo. Enquanto anda sem rumo pelas ruas caóticas, ele pensa desenfreadamente sobre tudo o que não precisa pensar: Cid Moreira, ovos de codorna de botecos ou crianças se empanturrando de brigadeiro em buffets infantis.

De fluência pauleira, li em uma ida de metrô para o trabalho. E aí separei as sacadas de mestre que me fizeram entender por que o Daniel gosta tanto da HQ:

peixe-peludo-john.jpg

  • "... E nem sei mais o que ela me disse, e eu respondi 'Nem sei então...', aí ela falou 'Então tá!!!', e eu respondi 'Então tá então'";

  • "Quando você não tem nada a dizer, basta começar a dizer que as coisas são maravilhosas"

  • "Só quando a coisa aperta que eu digo 'Ai, meu deus'"

  • "Pra esse povinho tudo é arte. Fazer macarrão é arte, comprar fita isolante é arte, papel crepom então, nem se fala, é a arte máxima"

  • "Quem cedo madruga tem muito mais tempo para fazer o mal. Ou para fazer as coisas com má vontade"

  • "Sim, porque todo samba enredo que se preze... tem que ter Cleópatra e Amazônia"

  • "Eu não perdoo o vegetarianismo, eles que venham pedir desculpas pra mim que vão ver o que é bom pra tosse"

  • "Pensando que não posso mudar pra praia porque a areia me incomoda"

    peixe-peludo-churras.jpg

Leia mais sobre quadrinhos no Shereland:
A gente lê: Os Beats 
A gente lê: Turma da Mônica em Graphic Novel 

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A gente lê: Os Beats

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E aí que eu li a minha primeira história em quadrinhos da vida- sem contar, é claro, os gibis da Turma da Mônica, Barbie, Senninha e afins! O feito foi  realizado graças ao incentivo do meu querido amigo Daniel, que me emprestou uma obra com um tema irresistível para mim: o movimento beat. 

Os Beats não faz uma análise profunda do grupo e de sua obra. A proposta é muito mais simples e divertida: chamaram algumas duplas de roteiristas e desenhistas do universo HQ politizado americano, e daí elas foram dando uma geral sobre os artistas ou aspectos essenciais para o movimento em histórias curtas e independentes.

Como não poderia deixar de ser, o livro abre com a biografia em quadrinhos (roteiro de Harry Pekar e a arte de Ed Piskor) dos três grandes beats: Jack Keroauc, Allen Ginsberg e William S. Burroughs

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Essas páginas estão recheadas com aquele tipo de fofoca que a gente adora saber... Insinua-se, por exemplo, que Ginsberg contribuiu muito mais para Almoço Nu do que o próprio Burroughs. Conta-se ainda que este andou assaltando gente a mão armada na Times Square para comprar drogas! 

Só não gostei muito quando caracterizam meu muso Keroauc como antissemita e homofóbico. Já li algumas coisas dele e sobre ele, e nunca achei que estivesse alguma dessas inclinações. Aliás, discordo até que ele fosse de fato apaixonado por Neal Cassady - não que faça alguma diferença, mas acho mesmo que era pura amizade :p

Enfim, depois dessa boa introdução, a obra traz pequenas historinhas - geralmente de quatro páginas - não só sobre os escritores (tem Gregory Corso, Philip Whalen, Diane DiPrima...), mas também sobre artistas plásticos, bandas e até lugares.

Como a HQ foi feita por muita gente, é muito incrível observar diversos traços e estilos de escrita.

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O ponto alto para mim fica, sem dúvida, para Joyce Brabner (roteiro) e Summer McClinton  (desenho) que criaram a tocante Garotas Beatniks. Aqui, finalmente é tirado o glamour das namoradinhas dos beats. Carolyn Cassady, por exemplo, é personagem importande de On The Road, mas, na vida real, tinha que sustentar a família enquanto o maridão curtia o mundo com Kerouac. Ou Elise Cowan, a menina que datilografou por puro amor O Uivo, mas que, rejeitada pelo homossexual Ginsberg, acabou se atirando de uma janela fechada.

Dani, muito obrigada! :D

Leia mais sobre o movimento beat aqui no Shereland:
Cinco fatos que vão atiçar sua curiosidade sobre William Burroughs 
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A gente lê: O Outro Pé da Sereia

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Escrito em 2006, O Outro Pé da Sereia é o nono (segundo o Wikipedia) romance lançado pelo escritor moçambicano Mia Couto.

Foi tudo inédito para mim: ler Mia Couto, ler em português de Moçambique (a edição da Companhia das Letras optou por manter a grafia original) e ler ficção africana. E a experiência foi fantástica.

Por isso fica bem difícil pensar por onde partir.

Está bem... Comecemos pelo começo, quando o burriqueiro Zero Madzero encontra uma santa de uma perna só e o adivinho das redondezas lhe aconselha a guardá-la num lugar sagrado. Mas o cara vive numa aldeia erma, então cabe à sua esposa, Mwadia, levar a santa para a igreja do vilarejo onde o casal nasceu e cresceu antes de optar pelo isolamento.

Se até então estava na cara que a história era sobre Zero, é nesse trecho que nos é revelado que Mwadia é a protagonista e que a trama principal será justamente este retorno à casa.

Só que, em paralelo, o enredo volta para o ano de 1560. Acompanhamos um barco que levava missionários portugueses para catequizar os recém-descobertos moçambicanos. Adivinhem só quem era a padroeira desta embarcação? A santa, que, na época, ainda não tinha sido amputada.

E aí Mia vai intercalando capítulos com a história antiga e a contemporânea para mostrar como uma é consequência da outra.

Mas resumir a obra assim como fiz é simplificar demasiadamente. Porque a real é que o livro é sobre tudo: intervenção cultural e raízes, passado e superação (ou não), escravidão física e escravidão mental. Aborda ainda conflitos familiares, machismo, racismo, saudade e, sobretudo, a aceitação do fim. Falando em fim... O final do livro, minha gente!!!!!! Melhor ficar por aqui, e vocês, por favor, leiam!

Meu longo caminho até O Outro Pé da Sereia

A primeira vez que ouvi falar do título foi pelo canal literário Tiny Little Things , com Tati Feltrin dizendo que esse "é um livro triste". Não lembro em qual vídeo ela afirmou isso, mas neste link tem um vídeo-resenha só sobre a obra . 

Depois disso, comecei a ver Mia Couto em todos os lugares: nas prateleiras das livrarias, na Bienal do Livro de Brasília, no blog o batom de Clarice . E aí que justamente quando encomendei o livro pela internet, presenciei um grupo oposto acusando o autor de ser rebuscado, complicado e imitador de Guimarães Rosa.

Se você conhece o escritor, estou louca para saber se você ama ou odeia Mia. Pelo meu post, fica fácil de perceber que eu, apesar de novata, estou no time dele, não é?

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