Primeira coisa que tenho a dizer sobre O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares: apesar da capa macabra, este não é um livro de terror, mas de fantasia!
Seu autor, o americano Ransom Riggs, tem o hábito de colecionar fotografias antigas vendidas em mercados de pulgas. Um dia, ele foi convidado por uma editora para utilizá-las em um especial de Halloween e aí, tcharam, nasceu a trilogia.
O primeiro livro, O Orfanato..., começa mostrando a amizade de Jacob Portman com seu avô, um judeu que vivia contando que, durante o Holocausto, havia se refugiado em um orfanato no País de Gales onde havia crianças mágicas. Os dizeres eram embasados numa série de fotografias esquisitas que esse senhor guardava, mas, à medida que cresce, Jacob para de acreditar na maluquice. Só que aí rola um incidente terrível que vai fazer o menino ir para a tal cidade em busca da verdade.
Acho que não é spoiler nenhum dizer que, assim como Harry Potter descobre Hogwarts e Percy Jackson descobre o Acampamento Meio-Sangue, Jacob descobrirá os peculiares - gente com poderes especiais, como levitação, força extrema e invisibilidade. Além das fotografias antigas da coleção de Riggs (cuja visualização ficará super prejudicada por quem optar ler no Kindle), eu diria que não há um grande diferencial. Precisei passar páginas e páginas até ver ali uma certa ação e decidi que não vou continuar a série, que também é composta por A Cidade dos Etéreos e Biblioteca de Almas (que a editora no Brasil, a Intrínseca, promete para o segundo semestre de 2016).
Ah, e claro, tem o filme do Tim Burton a ser lançado em janeiro de 2017. Acho muito que tem potencial para ser mais interessante que o livro, vejam só que trailer lindo:
O livro é estruturado como se fosse o diário de um historiador chamado Antoine Roquentin que, ao tentar lançar uma pedra num certo dia, começou a sentir algo estranho, parecido com uma náusea. A partir daí, o jovem começa a relatar seus dias para tentar entender como e quando aquela sensação - que acho que poderia ser diagnosticada como uma espécie de síndrome do pânico nos dias de hoje - acontece.
No desenrolar da história, Antoine vai desenvolver a base do existencialismo, corrente filosófica que ainda nos rege (mesmo sem que a gente saiba) e que não vou tentar explicar aqui para não pagar mico. Lendo assim você pode estar imaginando um livro pesado e técnico de um autor/ filósofo que ganhou (e recusou) o Prêmio Nobel de Literatura 1964, mas não... Existe uma sequência narrativa que nos embala graças à esposa de Sartre, Simone de Beavoir. Dizem que ela leu as incontáveis versões que o escritor fez da obra e sempre pedia a ele que deixasse o texto mais romanceado.
Agora, divirtam-se com as frases que separei durante minha leitura:
"é preciso não colocar estranheza onde mão existe nada."
"o que se pode temer num mundo tão regular?"
"Vejo o futuro. Está ali, pousado na rua, um nadinha mais pálido do que o presente. Que necessidade tem de se realizar?"
"Sou repelido para o presente, abandonado nele. Tento em vão ir ter com o passado: não posso fugir de mim mesmo."
"para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, é preciso e basta que nos ponhamos a narrá-lo. É isso que ilude as pessoas: um homem é sempre um narrador de histórias, vive rodeado por suas histórias e pelas histórias dos outros, vê tudo o que lhe acontece através delas; e procura viver sua vida como se a narrasse."
"Agora eu sabia: as coisas são inteiramente o que parecem... e por trás delas... não existe nada."
"o mundo das explicações e das razões não é o da existência."
"Todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso."
"O que seria tolo era ser o tempo todo estoico: ficaríamos esgotados por nada."
"aprendi que se perde sempre. Só os Salafrários pensam que ganham."
Acho que o maior clichê ao se mencionar Tati Bernardi é dizer que ela é um fenômeno na internet, mas não dá pra fugir disso. Eu só fui ouvir falar dela quando comecei a usar Twitter e Facebook e ver suas frases serem incansavelmente compartilhadas. Sobre a publicação de seu novo livro, Depois a Louca Sou Eu, não foi diferente: fiquei sabendo pela minha timeline.
Apesar da escritora paulista de 37 anos ser, entre outras coisas, colunista na Folha de S. Paulo, não considero Depois a Louca Sou Eu uma reunião de crônicas, porque todos os textos (curtos, é verdade) têm um assunto muito bem pré-determinado: as neuroses de Tati. Em entrevista recente, ela disse que até hoje não foi diagnosticada com nada em específico, mas, no livro, cita ataques de síndrome de pânico, fobias diversas e muitas crises de ansiedade (nos levando a desconfiar de uma hipondriazinha) que culminaram em um relacionamento instável com ansiolíticos (o livro iria se chamar Quem Ri Por Último, Rivotril).
Acho que muita gente pode se identificar com os texto. Se não, pelo menos vai rir, porque Tati é engraçada (escreveu o filme Meu Passado Me Condena, com Fábio Porchat, por exemplo) e é muito boa para montar tiradinhas geniais (acho que por causa de seu passado na publicidade). Li rapidinho, mas confesso que não amei o tempo todo. Particularmente, me sinto incomodada quando julgo que a pessoa está glamourizando problema.
Em todo caso, selecionei algumas frases do livro que se destacaram para mim, até porque, como disse antes, Tati é boa de frase:
"Não é de mãe nem de amor que precisamos, mas dessa coisa que ficou guardada na nossa cabeça como a entidade mãe ou a entidade amor. O socorro que não existe."
"Nada é mais transparente que má vontade em mulher feia."
"Eu havia passado pela situação mais ridícula da minha vida e, no entanto, o mundo seguia igual."
"Cresci acreditando que a maior forma de amor é alguém sempre te entregar as coisas muito higienizadas."
"A palavra (grupo) encerra em si o pior que a existência pode produzir: acúmulo humano."
"Tirar de um ser humano seu direito a cagar quando bem entenderm é cem vezes pior que qualquer solidão."
"Pois é, meu amigo, parecia maturidade, mas era só remédio."
"Tenho medo de ser mulher porque mulher é toda aberta a fungos e promessas."
"Felicidade só existe quando é 'inha'. Porque 'feliz pra cacete' é uma tristeza enorme."
Em 1928, Virginia Woolf foi convidada para falar sobre a relação entre mulher e ficção em duas faculdades só para mulheres dentro da Universidade de Cambridge. Depois, ela passou meses aperfeiçoando e unificando os discursos que resultaram no ensaio Um Teto Todo Seu, considerado até hoje texto importante para o feminismo.
Nele, Virginia tenta explicar a escassez de escritoras como um resultado da opressão feminina por tantos séculos. "Uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção", sintetiza a inglesa. No entanto, era possível para uma garota ter seu dinheirinho no século XIX? Era possível ela se concentrar em seu canto sem ser interrompida por marido e filhos? Pois bem. É basicamente essa a tese que Virginia tentará mostrar em pouco mais de 150 páginas.
Eu já li praticamente metade da obras de ficção da autora, porém nunca tinha lido seus ensaios. Achei que o texto é muito mais simples, embora o estilo persista.
Selecionei os trechos mais interessantes para compartilhar aqui, mas torço muito para que você fique com vontade de procurar a obra integral:
"Sem autoconfiança, somos como bebês no berço. E de que modo podemos adquirir essa qualidade imponderável, que também é tão inestimável, o mais rápido possível? Pensando que as outras pessoas são inferiores."
Virginia Woolf defendendo que a repressão feminina é uma forma dos homens se sentirem mais seguros
"As mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes mágicos e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural (...) Como ele continuará a fazer julgamentos, civilizar nativos, criar leis, escrever livros, vestir-se bem e discursar em banquetes, a menos que consiga ver a si mesmo no café da manhã e no jantar com pelo menos o dobro do tamanho que realmente tem."
"Não é preciso ter grandes habilidades em psicologia para afirmar que qualquer garota muito talentosa que tenha tentado usar seu dom para a poesia teria sido tão impedida e inibida por outras pessoas, tão torturada e feita em pedaços por seus próprios instintos contrários, que deve ter perdido a saúde e a sanidade, com certeza."
"A indiferença do mundo, que Keats, Flaubert e outros homens geniais achavam tão difíceis de suportar, não era, no caso dela, indiferença, mas hostilidade. O mundo não dizia a ela, como dizia a eles: 'Escreva se quiser, não faz a difereça para mim'. O mundo dizia, gargalhando: 'Escrever? O que há de bom na sua escrita?'"
"Todos os relacionamentos entre mulheres, pensei, repassando rapidamente a esplêndida galeria de mulheres ficcionais, são muito simples. Muita coisa foi deixada de fora, sem ser abordada. E tentei me lembrar de algum caso, no decorrer das minhas leituras, em que duas mulheres tivessem sido representadas como amigas. (...) Suponham, por exemplo, que os homens fossem retratados somente como os amantes das mulheres, e nunca fossem amigos de homens, ou soldados, pensadores, sonhadores; poucos personagens das peças de Shakespeare poderiam ser a eles atribuídos; como a literatura sofreria!"
Sobre o problema das mulheres terem sido, por tantos anos, representadas por homens
"Seria mil vezes uma pena se as mulheres escrevessem como os homens, ou vivessem como eles, ou se parecessem com eles, pois se dois sexos é bastante inadequados, considerando a vastidão e a variedade do mundo, como faríamos com apenas um?"
"E há também a moça atrás do balcão - eu preferia sua história real à centésima quinquagésima vida de Napoleão ou o septuagésimp estudo sobre Keats e seu uso da inversão de Milton que o velho professor Z. e seus semelhantes estavam escrevendo ultimamente."
"É fatal ver um homem ou uma mulher pura e simplesmente; é preciso ser feminil-masculino ou másculo feminino."
Leitores da década de 1960/70 devem se lembrar de Quarto de Despejo, o super best-seller escrito por Carolina Maria de Jesus. Ela era mulher, negra e pobre, mas foi contra todas as estatísticas e conseguiu vender mais de um milhão de cópias do livro em que contou o cotidiano da vida que levava na extinta favela do Canindé, na zona norte de São Paulo.
Mesmo tendo estudado apenas até o segundo ano do primário, Carolina gastava o tempinho que lhe sobrava quando não estava cuidando dos filhos ou catando sucata lendo e escrevendo em diários. Diários que, aliás, usava como válvula de escape, trampolim (pois sempre teve a intenção de publicá-los) e arma. Vocês acreditam que ela ameaçava vizinhos e afins dizendo que iria expô-los em seus livros se eles continuassem fazendo papelão?
E foi dessa forma que a até então aspirante conheceu o jornalista Audálio Dantas. Ele estava fazendo alguma reportagem na favela e a encontrou batendo boca com os moradores, dizendo que iria colocá-los nos diários. Audálio ficou interessado e, pronto, em 1959 conseguiu publicar um texto de Carolina na revista O Cruzeiro. Mais alguns meses e Quarto do Despejo foi publicado.
Com o sucesso instantâneo (acho que era a primeira vez que o Brasil via uma negra da favela falando por si), Carolina conheceu Clarice Lispector (que estava no lançamento do livro!), mudou-se da favela que tanto odiava e viajou em eventos literários pelo mundo. Só que suas obras lançadas a partir daí não deram muito certo, e a escritora foi esquecida. Morreu em 1977, aos 62 anos, no sítio que comprou na zona sul de São Paulo.
Como o reconhecimento costuma vir quando o escritor já não está mais aqui, em 2014, Carolina recebeu muitas homenagens em virtude de seu centenário. Na ocasião, sua filha, a Vera Eunice que aparece tanto nos diários e hoje é professora, deu algumas entrevistas relembrando a mãe.
Minhas impressões sobre o livro Quarto de Despejo
O diário foi escrito, com períodos de interrupção, entre 1955 e 1959. O conteúdo não tem muito segredo, é algo no estilo: acordei, fui pegar água, só tinha arroz para comer... Mas acho que o poder da narrativa está justamente na repetição. Chegou uma hora da minha leitura que eu pensei: "gente, ela só fala sobre comida". Só que é este o ponto... Para uma mãe solteira com três filhos, comer era o grande desafio. Fome é uma palavra que a autora usa praticamente todos os dias.
Outro ponto que a repetição evidencia é que são cinco anos de mesmisse. Trocam-se os políticos, mas nada muda para os favelados.
E quando Carolina fala de favela, não está se referindo ao que nós conhecemos como tal hoje em dia. Por um lado, não há relatos no livro sobre tráfico, violência policial e afins. Por outro, eram lugares completamente isolados da cidade, com gente se alimentando de comida podre e crianças morrendo, tipo, pisoteadas pelos pais durante uma briga conjugal.
Ah, os editores optaram por publicar o texto na íntegra, sem alterar os erros ortográficos de Carolina (que, diga-se de passagem, eram muito poucos considerando-se sua baixa escolaridade). Não gostei da escolha. Sei que ajuda a fazer o leitor a entrar no clima, mas também acho que a escritora merecia o mesmo tratamento dado a qualquer outro literato. Ou vocês acham que Clarice mandava originais impecáveis para as editoras? Duvido.
Frases de Carolina Maria de Jesus
Por fim, deixo com vocês minhas frases favoritas de Quarto do Despejo.
"Nunca vi uma uma preta gostar tanto de livros como você."
"Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso: Faz de conta que eu estou sonhando."
"Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos."
"A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país, tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos, fraquíssimos. E tudo o que está fraco, morre um dia."
"Tem pessoas que, aos sábados, vão dançar. Eu não danço. Acho bobagem ficar rodando pra aqui, pra ali. Eu já rodo tanto para arranjar dinheiro para comer."
Vanda Bezerra Cavalcante 30 de Abril de 2018 às 00:18
Desde que conheci a obra dessa mulher guerreira sempre tive o desejo de levar Carolina para os palcos! E depois de muitos anos agora estou realizando esse sonho " os papéis de Carolina" esse é o nome do monólogo que estou fazendo! Muito feliz pois no próximo dia 10 de maio fui convidada para fazer uma omenagem a filha dela Vera Eunice, que também vou conhecer! Ela tem muito a nos falar nos dias tão sombrios que vivemos hoje nos pretos e pretas desse Brasil!
Deixe um comentário:
Nenhum comentário. Seja o primeiro!